sexta-feira, 19 de abril de 2013

Entrevista - Facada 2013



Curto e grosso, a Facada já é tida como uma das maiores (a maior, na opinião deste humilde entrevistador) bandas do Grindcore nacional. E o recente lançamento do álbum “Nadir” (ler resenha aqui) apenas os manteve nesse topo. Com uma influência mais explícita de Black Metal, o quarteto, formado por James (baixo/vocal), Dangelo (bateria), Danyel (guitarra) e Ari (guitarra), abre novos horizontes, tão ou mais agressivos do que os dos trabalhos anteriores. O blog Som Extremo entrevistou Ari, que falou mais sobre o novo petardo e sobre o que rodeia o grupo, que está completando uma década de vida em 2013. Confiram um bate-papo sincero e divertido.
PS: confiram também a entrevista com James, realizada em 2011, aqui)



Som Extremo: Quem ou o que é “Nadir”? Tem algo a ver com astronomia e geografia?
Ari Almeida: “Nadir” vem do árabe (nazir) e significa várias coisas, entre elas, o ponto ou grau mais baixo, o oposto de vértice. No nosso caso, utilizamos como o ponto mais baixo do ser humano.


Som Extremo: O que é a intro e o a música meio macabra (ao contrário?) no fim do disco?
Ari: A intro foi tirada de uma cena fantástica de um filme maravilhoso de Werner Herzog chamado “Auch Zwergen haben klein angefangen” (“Os anões também começaram pequenos”) - https://www.youtube.com/watch?v=K_uFDSQ_Ius.
 No final do disco, é um canto em latim tocado ao contrário, tirado de  “Monty Python and the Holy Grail”.



Som Extremo: Troquei e-mails com James bem mais de um ano antes do lançamento de “Nadir”, e ele me mostrou duas músicas de ensaio, já comentando que teria uma pegada meio Black Metal no disco. Ouvindo o novo material, percebe-se as influências do estilo principalmente nas guitarras. Como foi o desenvolvimento dessa ideia? Proposital, imagino que não tenha sido, certo?
Ari: Acho que isso tem muito a ver com entrada do Danyel na banda, que, assim como James, é grande fã de Black Metal. Eles inclusive montaram uma banda fudida de Black Metal chamada Monge ano passado. No álbum “Indigesto”, já tinha pelo menos uns dois riffs bem BM. No “Nadir”, essa influência ficou mais na cara. Todo mundo na banda escuta de quase tudo, então é natural entrarem coisas de estilos diversos, já que tocar Grindcore “puro” o tempo todo nunca foi e nem será a proposta da banda.


Som Extremo: As letras, em geral, estão mais pessimistas do que nunca, e em boa parte, na primeira pessoa. Por que? O que inspirou tanta revolta e indignação?
Ari: Para não sentir revolta e indignação nesse mundo em que vivemos, você tem que estar morto. Se você pensar bem, não estamos muito longe de uma era de sociedades distópicas high-tech dominadas por “gadgets”  e rede sociais servindo a imbecilização completa dos seus cidadãos, que insistem em dar sua opinião sobre tudo, mesmo quando não sabem de nada. Discharge nunca foi tão atual: “Free Speech for the Dumb”! Não demonizo a tecnologia de forma alguma, a culpa é toda nossa pelo uso ou desuso que fazemos dela. O futuro (o presente?) é um imbecil com um smartphone na mão. Posso falar em relação ao que escrevi. Tem muita influência de literatura e filmes, tem citações e apropriações indébitas aos montes. “Não Verás País Nenhum”, de Ignácio de Loyola Brandão, influenciou pelo menos umas duas letras. Quanto ao uso da primeira pessoa, tem muito a ver com a influência da literatura, como se fosse um personagem contando, narrando ou divagando sobre alguma coisa. 




Som Extremo: Como surgiu a ideia da homenagem a Zé do Caixão em “Josefel Zanatas”?
Ari: Já estava bem perto de o James gravar as vozes dos sons que gravei e ele precisava urgente das letras um tempo antes para aprender e encaixar melhor o vocal. Enrolei vários meses, até mandar faltando uma semana para ele gravar. O problema é que pouco antes de mandar as letras, eu já tinha começado todas, mas não tinha nenhuma pronta. Fiz uma correria e acabei todas, menos “Josefel Zanatas” e “Altar de Sangue”, que mandei por último. A ideia de homenagear o Mojica já era antiga e tomou mais força depois de ler a biografia dele - “Maldito” - uns anos atrás.  Eu tinha esquecido disso completamente até que, num momento de falta de inspiração absoluta, lembrei dessa ideia antiga e peguei o prólogo de “À Meia-Noite Levarei Sua Alma”, mais títulos de filmes deles e acrescentei umas frases. Encaixou tudo perfeito! Homenagem nossa a José Mojica Marins, que fez alguns filmes não menos que geniais!
“Altar de Sangue” foi outra letra que nasceu do desespero da falta de inspiração. Vou aproveitar e manifestar meu profundo desgosto por ninguém ter se manifestado até agora sobre essa letra! (risos) Não aprenderam o ABC metálico?


Som Extremo: Como surgiu a oportunidade do lançamento pela Black Hole Productions?
Ari: Se minha memória não falha, mandei nossa demo pro Fernando (N.R.: Camacho, proprietário da BHP) em 2004, e em 2006, perguntei se ele não estava interessado em lançar o “Indigesto”, que acabou não rolando. Ele soube que a gente estava com material pro novo disco, nos escreveu e acertamos tudo. Demais estar trabalhando com a Black Hole Productions, primeiro porque é um selo que já lançava discos de bandas que gostávamos muito antes de o Facada surgir. Eu era leitor da Black Hole Magazine. O Fernando é um cara fantástico, sem falar que tudo que ele faz é 100%, só ver qualquer lançamento da BHP e conferir a qualidade sonora e gráfica. Espero que essa parceria dure muito tempo!!




Som Extremo: Quanto à arte da capa, como foi sua concepção, e qual sua relação com o título do disco?? É um rosto assustador...
Ari: Quem fez a arte foi um artista de Fortaleza chamado Everton Silva, que é amigo de James e de Danyel.  James mandou o disco pra ele e disse que a gente queria preto e  branco, e saiu esse rosto. Superou qualquer expectativa, é simplesmente fantástico, não tenho palavras pra descrever!


Som Extremo: Como foi o planejamento para dividir as gravações das guitarras entre você, que mora na Alemanhã, e Danyel?
Ari: Quando fui nas minhas férias para Fortaleza em 2011, ensaiei duas vezes com o Dangelo. Encontramo-nos quinze dias depois e ele gravou a bateria rapidinho, daquele jeito que só ele sabe. Cheguei a gravar uns sons, mas não ficou legal e resolvi gravar as guitarras e baixo dos meus sons em Berlim. Já que todo mundo virou stoner tchongueiro piscodelicus hoje em dia aí no Brasil, o cara que gravou o disco é técnico de P.A. da Kadavar e toca na Samsara Blues Experiment e na Heat, mais um bom motivo pra comprar o disco (risos). Por questões financeiras, só fui conseguir gravar em maio de 2012, um ano depois, quando o Danyel já tinha gravado o resto dos sons.




Som Extremo: E as participações de Marcelo Appezzato (Hutt), Jão (Ratos de Porão) e John “The Maniac” Leatherface (Chronic Infest), como foram? Saiu tudo como o planejado?
Ari: Conhecemos o Marcelo em 2006, em São Paulo, durante a “Indigestour” e foi amor à primeira vista. A gente já gostava muuuito da Hutt e curtia  as letras dele, então rolou essa ideia pra ele dividir os vocais em “Josefel Zanatas”, já que ele também é fã do Mojica!
Eu escuto Rato de Porão desde meus treze anos, já faz duas décadas! Na minha primeira banda com o Léo (Diagnose), no início só rolava músicas do “Crucificados pelo Sistema”. É uma banda que acompanha minha vida e o Jão é uma das minhas referências. “Altar de Sangue” precisava de um solo foda, aí apareceu a idéia de chamá-lo, e o Capaça, da Violator, o Jão pro solo do vinil e o Capaça pro solo do CD, só que acabou não dando certo com o Capaça.
O Jão foi tão foda, que não mandou um, mas três solos pra gente escolher!!!! Puta honra!!! Uma das grandes emoções da minha vida de “músico” foi escutar esse solo pela primeira vez, arrepiou! Nunca que aquele moleque de treze anos, pesando quarenta quilos, iria acreditar que um dia o Jão solaria num som que ele fez.
O John é amigo do James, gente boa, tocava numa banda foda e tem uma voz privilegiada. Preencheu todos os requisitos para gravar num disco da Facada e fez bonito, ficou animal!




Som Extremo: Você consideraria “Nadir” o mais extremo da trajetória da banda?
Ari: Não. Está mais brutal que “O Joio”, que saiu muito Death-metalizado em algumas partes. Em certos momentos, o disco remete um pouco à demo e ao “Indigesto”, pela simplicidade e crueza de alguns sons.


Som Extremo: Já pensam em algum videoclipe?
Ari: Até agora não! Se houver algum cineasta talentoso e não cobrar nada, pode ser que role. Sem playback (se eu estiver presente)!


Som Extremo: Assim como em “O Joio”, “Nadir” também é um disco bem curto. Você diria que é uma tendência para os futuros lançamentos da Facada?
Ari: Acho que é uma questão de estilo. Um disco de 45 minutos do Facada iria encher o saco de qualquer um, por melhor que as músicas fossem. Ninguém iria curtir o King Crimson tocando músicas de 1’30’’.




Som Extremo: Em 2013, o grupo completa dez anos de estrada. Além do novo disco, planejam mais alguma forma de comemoração? A demo será relançada em formato vinil de 7’’, correto?
Ari: Isso, a demo deve sair nos próximos meses. “O Joio” já foi relançado em CD pela Everydayhate, da Polônia, o “Indigesto” vai ser relançado em vinil pela Pecúlio Discos e temos propostas pra vinil também.


Som Extremo: Nesse tempo de banda, existe alguma história curiosa/bizarra que nunca foi revelada para os fãs? Ou mesmo algum desabafo?
Ari: Setembro de 2006: tickets de avião pagos para tocarmos em Salvador. Iríamos um dia antes do show para aproveitar a cidade, ir à praia, pelourinho, e visitar Carlinhos Brown . Uma semana antes da viagem, até o dia de viajar, perguntei todo santo dia pro James, ‘Que horas sai o vôo?’. ‘Meu nego’, respondia, ‘às 14h30’. Eu – ‘Tem certeza?’, ‘meu nego, Tenho’. Esse diálogo se repetiu por oito dias.  Dia da viagem: a caminho do aeroporto, pergunto se todo mundo está com a identidade. Dangelo responde que esqueceu a dele na luthieria onde trabalha. Ele liga pro Erasmo, que vai até o aeroporto voando com a identidade do Dangelo (eu e o James tocamos com instrumentos feitos pelo Erasmo). Depois do primeiro drama, chegamos ao balcão do check-in, que estranhamente não tem fila nenhuma. Advinha?  O avião tinha saído às 13h30 e perdemos o vôo. A glicose do James subiu ou desceu, não lembro, só sei que ele se sentou no chão do aeroporto e passou mal. Depois de se recuperar, começo a sessão de xingamento e voltamos pra minha casa em busca de uma solução. Um ônibus Fortaleza-Salvador saía às 17h00. Encaramos uma deliciosa viagem de 24 horas no ônibus, com direito a DVDs de Limão com Mel e Calcinha Preta. Adeus pelourinho, praia e Carlinhos Brown. Nunca xinguei alguém tanto na minha vida como o James nessa viagem. Depois de tocar em Salvador, fomos no dia seguinte tocar em  Aracaju e voltamos de ônibus pra Fortaleza, mais 28 deliciosas horas dentro dum Expresso-Guanabara. Essa é única história que dá pra contar.




Som Extremo: Por fim, como resumiria esses dez anos de existência da Facada?
Ari: Facada é uma banda ética. Nunca fez sacanagem com nenhum produtor, com nenhuma banda, nunca passou por cima de ninguém, nunca fez agrado nem concessão, nunca babou ninguém, não tem pose de artista e nem mendigou show.  Mentira! Eu mendiguei o primeiro show do Facada pro James e o Dangelo poderem completar o dinheiro da van que estava levando a Diagnose e Discarga. Rolou em Natal, no MP3, e foi organizado pelo querido Leandro, do Fratelli! Noite inesquecível. 
Facada é acima de tudo amizade, descompromisso, diversão e amor pelo que se faz. Como a imensa maioria das bandas brasileiras, só temos prejuízo com a banda, ela não se sustenta, não lucramos nada. O disco novo foi mixado e masterizado com dinheiro emprestado de amigos.  A banda nunca será gerida como uma empresa, com reuniões, planos de metas, não extorquimos pessoas em trocas de “likes” no Facebook, não ligamos pra quantidade de visualizações no You Tube, não pagaremos pra sua assessoria de imprensa soltar notinhas sobre o NADA na “mídia especializada”, a gente sobrevive por causa do nosso som, e não da imagem, como um monte de banda. A gente sofre, mas é feliz e dorme tranquilo!
Nesses dez anos, conhecemos muita gente legal e tocamos com  grande parte das melhores bandas brasileiras, e somos amigos dela, essa é a maior recompensa.




Som Extremo: Agradeço demais a entrevista! Manda lá o seu palavreado final!
Ari: Nós que agradecemos a oportunidade!! Muito obrigado a todos que nos apoiam! Paz e amor!






Twitter: @facadanagoela

2 comentários:

  1. Essa história do Ari é calúnia.

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  2. muito massa! to orgulhoso do primeiro show da minha banda(Epilepsy) que será em manaus, será tocando em conjuntos com várias bandas fodas da cena , entre elas, o Facada! som fudido!!!

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